Entenda por que não faz sentido os 5 originais das HQs serem os X-Men do MCU
Desde o momento em que o anúncio da compra da Fox pela Disney surgiu, imediatamente os fãs dos mutantes começaram a sonhar com as possibilidades dos X-Men no MCU. Os crossovers com os Vingadores, os filmes solos, mutantes que nunca apareceram antes e, é claro, a fidelidade aos quadrinhos. Filmes extremamente fiéis, adaptando só o que é necessário, esse é o maior desejo de grande parte dos fãs do material original. Ainda assim, nos tempos atuais, a fidelidade completa não é mais possível. Os filmes dos X-Men não poderão ser completamente fiéis, a querida formação original da Primeira Classe provavelmente não acontecerá, pelo menos não como nos quadrinhos, e o Universo X-Men tentará explicar o porquê.
⊗ A criação dos X-Men
Antes de tudo, precisamos revisar brevemente a história da equipe. Os X-Men foram criados por Stan Lee e Jack Kirby e tiveram suas primeira HQ lançada em setembro de 1963. Nesse período, os Estados Unidos estavam passando por um longo processo de luta pelos direitos civis, principalmente dos negros. Stan Lee utilizou as lutas sociais como alegoria para a criação da história dos mutantes, anos depois, Chris Claremont aprofundaria essa alegoria trançando paralelos entre Professor X/Magneto e Martin Luther King/Malcolm X.
Mesmo utilizando os direitos civis como base de sua criação, fica claro que os preconceitos da época ainda afetavam a equipe, assim como afetavam à sociedade como um todo. Um time composto apenas por pessoas brancas, a maioria homens, e a única mulher precisando ser salva com frequência, sendo considerada fraca e sem graça. Essa situação mudaria apenas 12 anos depois, em 1975, com o lançamento de X-Men Giant Size #1, de Len Wein e Dave Cockrum. A HQ introduziu uma equipe etnicamente diversa, com Tempestade, Pássaro Trovejante e Solaris sendo os 3 primeiros personagens não-brancos a aparecerem no time de heróis.
No entanto, mesmo com uma diversidade maior de etnias na equipe, todo o resto do quadrinho permanecia da mesma forma. Os novos heróis e vilões introduzidos eram na maioria esmagadora personagens de pele branca, com a proporção de personagens indígenas, negros e asiáticos sendo quase ínfima. X-Men, assim como todos os outros quadrinhos, é um reflexo da sociedade, que infelizmente não sabia aproveitar a diversidade das pessoas como um todo.
⊗ Os X-Men na Fox
Quase 40 anos após o lançamento das HQs, os mutantes finalmente ganhariam a sua primeira adaptação no cinema (levando em conta que Geração X ficou apenas nas fitas VHS). Dirigido por Bryan Singer, X-Men: O Filme estrearia sendo um sucesso de crítica e público revolucionando a concepção do que eram os filmes de super heróis. O longa apresentava uma equipe com 2 mulheres e 2 homens, sendo que as mulheres em nenhum momento pareciam inferiores. Esse fato permaneceu por 20 anos em todos os filmes dos X-Men, com mulheres se mostrando muitas vezes ainda mais poderosas do que os homens. Contudo, esse é possivelmente um único aspecto da diversidade abordado pelos filmes.
Nos seus 20 anos de Fox, os mutantes possuem 12 filmes lançados. É fácil dizer que centenas de mutantes fizeram aparições, contando os principais, os coadjuvantes e os figurantes. Dentro dessa centena, conseguimos citar talvez 25 mutantes que não sejam brancos, sendo que nessa conta teríamos de somar personagens negros, asiáticos e indígenas. Por outro lado, nossa contagem para personagens brancos é superior a 50, sendo eles uma única etnia na conta. Dessa forma, é fácil ver a disparidade na representatividade dos filmes.
Dentre esses mutantes não-brancos, a maioria esmagadora deles não possui mais do que 3 ou 4 falas nos filmes, destaque então seria artigo de luxo para esses personagens. Facilmente podemos citar Jubileu, aparecendo em 4 filmes, nunca utilizando seus poderes de forma séria, ou Darwin, um mutante que se adapta a tudo e é virtualmente imortal, mas é o primeiro personagem a morrer em X-Men: Primeira Classe (2011). Há também casos mais recentes, como o de Mancha Solar e Cecilia Reyes, personagens negros interpretados por atores brancos.
⊗ O Universo Cinematográfico da Marvel
Como já dito algumas vezes nesse artigo, as mídias são apenas um reflexo da sociedade, e isso inclui os filmes. Embora hoje em dia a Marvel esteja focada em expandir a diversidade com filmes como Pantera Negra, Capitã Marvel, Viuva Negra, Shang Shi e Eternos, muitos anos se passaram até isso acontecer no MCU. De 2008 a 2018, apenas 4 ou 5 personagens negros tiveram algum destaque. O número de asiáticos e indígenas é ainda menor. Para 10 anos de um universo bem estabelecido, com 17 filmes lançados, uma quantidade tão pequena de personagens não-brancos é ínfima.
Segundo rumores, Ike Perlmutter, ex-presidente da Marvel Entertainment, era um dos principais responsáveis por esse comportamento. De acordo com os relatos, ele rejeitava a ideia de diversidade no MCU, tanto étnica quanto de gênero, motivo pelo qual filmes de super-heroínas demoraram para sair do papel. Isso só mudaria a partir de 2017, com a saída de Ike Perlmutter e a entrada de Dan Buckley na presidência da Marvel Entertainment. Em 2018, o lançamento Pantera Negra mostrou que a representatividade trazia sim lucro. Em 2019, Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, também foi nomeado diretor de criação da Marvel Comics, Marvel Television e Marvel Animation.
⊗ Diversidade é o futuro
É certamente de conhecimento geral que grande parte das histórias em quadrinhos representam no papel a desigualdade vivida na vida real. Uma pesquisa de 2018 aponta que, em certos momentos da história dos quadrinhos, para cada 100 personagens, apenas 5 deles são negros. Não apenas isso, também aponta que, nessa década, um personagem negro novo demora cerca de 14 meses para ser criado ou lançado. Uma disparidade, visto que, no mesmo período, um novo personagem não-negro é criado ou lançado a cada 36 dias.
É importante lembrar que a imensa maioria dos personagens que estão sendo ou serão adaptados nos filmes foram criados nos anos 60, 70 e 80. Épocas essas em que a representatividade de personagens não-brancos era quase nula, principalmente se comparada com a quantidade de personagens brancos.
Ao contrário de personagens racializados, que normalmente possuem toda a sua história ligada a sua etnia, personagens brancos costumam ser brancos simplesmente porque é a forma como seus criadores vêem ou viam o mundo. A cor da pele destes últimos é completamente irrelevante para o andamento de sua história. E é por isso que alguns deles são boas opções para terem sua etnia modificada a fim de trazer um pouco mais de representatividade para as obras. E a Marvel está em busca disso desde o lançamento de Pantera Negra.
⊗ Os X-Men no MCU
A primeira equipe dos X-Men que a Marvel apresentará nos cinemas é uma completa incógnita. As formações são diversas e muito variadas, sendo a Primeira Classe, a Segunda Gênese e as Equipes Azul e Dourada como as favoritas dos fãs. Elementos de cada uma dessas formações já foram apresentados nos filmes, no entanto, muitos fãs esperam que os filmes apresentem a primeira formação criada por Stan Lee, e aí chegamos no cerne desse artigo. A Primeira Classe é o primeiro grupo de alunos mutantes do Professor Xavier, os primeiros X-Men. A equipe é composta por Ciclope, Jean Grey, Homem de Gelo, Anjo e Fera.
A questão é que, como citado no inicio deste texto, essa equipe não funciona mais hoje em dia, pelo menos não da forma como é nos quadrinhos. Todos esses 5 mutantes são completamente diferentes de como eram quando foram apresentados. Ciclope não é tão rígido quanto antes, Anjo e Fera já foram vilões, Jean Grey passou por uma das maiores evoluções da equipe e Bobby se descobriu gay. Uma coisa não mudou no entanto, a equipe representa apenas uma única parcela da população mundial, a branca.
É claro que isso não significa que pessoas não-brancas não vão se relacionar com os personagens e amá-los, mas, como dito acima, a Marvel Studios está buscando expandir a diversidade de seus personagens no cinema, logo, 5 personagens brancos na equipe seria uma regressão. Portanto, se você é purista de fidelidade, caso essa seja a equipe adaptada, eu sugiro que se prepare para mudanças de etnia.
⊗ Se já existem personagens de outras etnias, por quê não usá-los ou criar novos?
Essa é uma pergunta respondida em outro artigo do UX relacionado a uma possível introdução de um Professor X negro (link mais abaixo), mas ela também se encaixa para essa situação.
Há sim diversos mutantes racializados que merecem destaque, mas não podemos fingir que as mídias não escolhem os personagens mais populares para destacar. Poucos são os heróis não-brancos que estão entre os favoritos do público, alguns deles por negligência de roteiristas, outros por não cativarem os leitores. O fato, é que não é tão simples assim fazer o público comprar a ideia de um personagem. E se é difícil fazer isso com personagens criados há anos, imagine então criar novos personagens 80 anos depois da popularização dos super-heróis. Tempestade, Bishop, Jubileu e Psylocke possuem alta relevância e provavelmente serão muito bem explorados no MCU, mas não podemos ficar apenas neles, ou nos poucos personagens de etnia diversa que temos por aí.
Convido você a fazer um exercício, sem usar o Google, você consegue falar sobre 8 mutantes negros e seus poderes sem citar a Tempestade e Bishop, asiáticos sem citar Jubileu e Psylocke ou indígenas sem citar Miragem e Apache? Acredita que a maioria das pessoas que lerão esse artigo consiga citar esses nomes?
É possível perceber, que diferente de mutantes racializados, é inegavelmente mais fácil citar um número bem superior a 10 mutantes brancos. Essa é outra injustiça que a alteração de etnia de alguns personagens visa reparar. Há também a possibilidade de você tentar argumentar citando algo como “e se transformassem a Tempestade ou o Pantera Negra em brancos?”. Essa questão também está respondida no artigo sobre o Professor X que você pode ler clicando no link abaixo.
⊗ As novas regras do Oscar
Embora alguns diretores estejam sim tentando aumentar a diversidade em Hollywood, muitos outros parecem não se preocupar com ela. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, visando aplacar a falta de inclusão que ela mesma ajudou a propagar por muitos anos, criou novas regras que produções terão que seguir para concorrer ao prêmio de Melhor Filme a partir de 2024. Essas novas regras serão outro motivo para manter uma equipe etnicamente diversificada nos filmes.
A princípio, essas regras afetarão apenas aos candidatos a melhor filme (Pantera Negra foi indicado). Dentre um dos pontos chave dessa nova configuração, a Academia exige que os protagonistas do filme pertençam a um grupo sub-representado (negros, indígenas, latinos, asiáticos ou LGBTQIA+), ou que 30% dos papéis secundários sejam distribuídos entre essas minorias.
Sabendo disso, a conclusão mais óbvia é que não adaptarão a Primeira Classe ou modificarão a etnia de alguns desses personagens.
⊗ Qual a solução para manter fidelidade e diversidade?
Como foi dito um pouco acima, a equipe de mutantes apresentada na Segunda Gênese é completamente a frente de seu tempo. Ela é formada por Tempestade (norte americana crescida no Quênia), Passaro Trovejante (nativo-americano), Solaris (japonês), Colossus (russo), Noturno (alemão), Ciclope (estadunidense), Wolverine (canadense) e Banshee (irlandês). Essa equipe traz muita diversidade étnica (embora apenas uma mulher esteja na equipe), representando as principais minorias mais discriminadas e não focando apenas em personagens dos Estados Unidos.
Ha no entanto um problema, essa formação não durou mais do que uma única edição, pois Pássaro Trovejante morreu por sua imprudência, e Solaris não se encaixou na equipe e a abandonou logo após a missão acabar. A única personagem pertencente a uma minoria étnica a permanecer com os X-Men foi Tempestade.
Esse último fato também pode significar que mesmo que a Segunda Gênese seja adaptada, ela não será completamente fiel aos quadrinhos. Há personagens mais populares que Solaris ou Pássaro Trovejante, mas, por outro lado, a Marvel teria problemas se os retirasse da equipe ou os matasse. Então ao invés de apresentar Solaris, um personagem que saiu da equipe, introduzir o Homem de Gelo como um personagem gay talvez seja uma preferência. Jean Grey e Vampira também são personagens bastante populares e mais de uma mulher na equipe pode ser o que a Marvel busca, visto que há rumores de Vampira sendo a vilã de Capitã Marvel 2.
⊗ O que esperar para o futuro?
É preciso compreender que o combate à desigualdade e a discriminação é o cerne dos X-Men. Essa é uma equipe na qual é impossível desassociar a política, pois a política foi usada para criá-la. Sendo assim, precisaremos estar com a mente aberta para entender que algumas mudanças acontecerão inevitavelmente tanto na etnia, quanto na história de alguns personagens. Isso já começou nos quadrinhos inclusive, com a alteração do codinome “Caçador de Escalpos”.
Essas coisas devem estar mantidas em nossa mente, porque se os filmes dos X-Men não se encaixarem em diretrizes feitas para diminuir a discriminação, é como se a essência de personagens que tanto amamos não fosse respeitada. Além disso, nem toda mudança é negativa. Personagens como Nick Fury e Dominó estão aí para provar que isso é possível, e que pode ficar muito bom.
Mas afinal, no que você acredita? Acha que a equipe original vai ser adaptada? Qual equipe você gostaria de ver aparecendo nos filmes. Diga o que pensa nos comentários.