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Não existe X-Men sem “lacração” e nós podemos provar

O final da década de 2010 foi marcada por vários avanços no que se diz respeito a pautas e discussões sociais em geral, ao qual minorias marginalizadas ganham cada vez mais espaço para falar sobre machismo, racismo, LGBTQIA+fobia, xenofobia e etc. Obviamente, isso impactou drasticamente o audiovisual e a cultura pop como um todo.


Puxando para o mundo geek/nerd, é fácil perceber que produções da Marvel e da DC (HQs, animações, filmes e jogos), estão prezando muito mais por representar grupos que anteriormente eram apagados. Só nos anos mais recentes tivemos projetos que focavam e introduziam personagens como Capitã Marvel, Mulher Maravilha, Canário Negro, Caçadora, Mulher-GatoArlequina, Viúva Negra, Pantera Negra, Ms. Marvel, Mulher-Hulk, Cavaleiro da Lua, Shang-Chi, Feiticeira Escarlate, Jon Kent, Wicanno, Hulkling, Homem de Gelo, Miles Morales, Luke Cage e muitos outros.

A inclusão é real e está acontecendo, mas nem todo mundo gosta da ideia. Depois de anos consumindo só um certo tipo de narrativa ou simplesmente não prestando atenção no contexto das histórias que consumia, uma parte considerável e conservadora dos fãs nerds protestam cada vez mais contra esse tipo de inclusão que eles alegam ser forçada. Produções do meio geek que focam em alguma personagem feminina ou possuem um protagonista não-hétero estão fadadas a sofrer um ódio desproporcional assim que são lançadas, ou até mesmo, assim que são ANUNCIADAS.

Infelizmente, às vezes, a insatisfação desse grupo não se resume apenas em críticas em redes sociais e ou no famoso “review bombing”, fenômeno da Internet em que um grande número de pessoas publica comentários e avaliações negativas em sites que compilam notas, na tentativa de prejudicar a popularidade de um produto. Tom Taylor e John Timms, responsáveis pela HQ em que o filho do Superman se revela bissexual, já sofreram ameaças de morte. Qualquer produção contendo a chamada “lacração” sofre com a ira dessas pessoas, que não costumam medir esforços para provar seu descontentamento.

⊗ Mutante e Orgulhoso

Vendo todo esse ódio por inclusão se espalhar, não difícil é se perguntar o que vai acontecer quando os X-Men, uma equipe que faz parte de uma espécie marginalizada e literalmente milita por inclusão, forem reapresentados para o grande público no MCU. X-Men sempre foi um reflexo do que acontecia no mundo real. Personagens como Ciclope, por exemplo, assumiram uma postura bem mais radical. Scott Summers saiu de um líder certinho para um revolucionário da raça mutante, muitas vezes sendo chamado de terrorista.


A era mais recente dos mutantes nas HQs é uma prova disso. Krakoa reúne toda a mutandade em um local só e Charles Xavier não está mais implorando pelo respeito da humanidade, ele está EXIGINDO, assim como outros vários personagens mutantes. Além disso, agora temos um grande foco em personagens que fazem parte de minorias reais, como o Homem de Gelo, Akihiro, Capitã Britânia, Rachel Summers, Sincro e Tempo.

Analisando de maneira geral, o grupo sempre fez analogias sociais, desde a fase inicial de Stan Lee e Jack Kirby. Obviamente, a HQ possui uma linguagem bem mais infantil e foca no clássico “bem vs mal”, mas vários momentos parecem fazer uma grande ligação com a discriminação racial e étnica que grupos afro-americanos sofriam nos anos 60.

X-Men #5

Chris Claremont ampliou e tornou óbvia essa analogia nos anos 70, quando assumiu a equipe em sua segunda formação, que era muito mais diversificada do que a primeira. O escritor ditou um estilo único pra os X-Men e até hoje é referência devido as grandes histórias que criou para os mutantes, como Saga da Fênix Negra, Dias de um Futuro Esquecido e Deus Ama, o Homem Mata. Partindo do que Claremont fez, os autores que lhe sucederam apenas acrescentaram muito mais camadas para essa analogia. Já tivemos a tramas como a da Cura Mutante, o Vírus Legado, os Pacificadores (grupo religioso anti-mutante) e até mesmo um grupo anti-mutante intitulado A Direita (duh!?).

X-Factor #40

Surpreendentes X-Men #05
⊗ Não é uma interpretação pessoal, é visão do próprio Stan Lee

Sim, essa analogia se tornou cada vez mais clara com o passar dos anos, porém, mesmo assim, ainda existem pessoas que preferem tratar essa analogia como uma simples interpretação pessoal, argumentando que X-Men, na verdade, se trata só de pessoas com poderes salvando inocentes e que todo o contexto social da equipe vem da imaginação da mídia e dos fãs progressistas. Pois bem, quem melhor para rebater esse argumento ruim do que o próprio criador da equipe!?


Stan Lee falou diversas vezes sobre ser antirracista e combater preconceitos no meio nerd, e ele é claro nessa mensagem em um vídeo publicado pela Marvel em 2017.

“Essas histórias têm espaço para todos, independentemente de sua raça, gênero, religião ou cor de sua pele”, disse Lee. “As únicas coisas para as quais não temos espaço são ódio, intolerância e fanatismo.”

Quando o primeiro filme dos X-Men chegou aos cinemas no ano 2000, Lee CONFIMOU ao The Guardian que a equipe foi inspirada em movimentos pelos direitos civis.

“Em vez de serem apenas heróis que todos admiravam, e se eu fizesse outras pessoas temerem, suspeitarem e realmente odiá-los porque eram diferentes? Eu amei essa ideia; não só os fez diferentes, mas foi uma boa metáfora para o que estava acontecendo com o movimento dos direitos civis no país naquela época.”

No ano de 2014, em uma entrevista para a Rolling Stone, Lee voltou a falar sobre suas inspirações para a criação dos X-Men, do Professor X e do Magneto.

“Eu ia dizer, mas meu vilão favorito era Magneto. E eu amei a ideia dos X-Men serem bons mutantes, e então teríamos um monte de mutantes ruins, e nós faríamos parecer que os mutantes ruins tinham razão lá. A raça humana os odiava, os temia, os evitava e estava tentando se livrar deles, então por que eles deveriam abaixar a cabeça? Por que não revidariam?”

“Enquanto o Professor Xavier dizia que todos temos que aprender a viver juntos, não importa o quão diferentes sejamos. E eu senti que representava algumas correntes de pensamento que existem entre a raça humana agora. E foi divertido brincar com esse conceito. E basicamente, a ideia principal era mostrar que a intolerância é realmente uma coisa terrível, e todos nós devemos nos dar bem, não importa o quão diferentes sejamos. Esse era o objetivo principal.”


Além disso, o entrevistador questionou Lee se as inspirações em movimentos civis, bem como nas figuras de Martin Luther King e Malcom X.

“Acho que foi certamente um sentimento inconsciente, sim. E nunca senti que Magneto fosse 100% ruim. Quero dizer, havia razões pelas quais ele se sentia assim, mas só dependia do Professor X encontrar uma maneira de fazê-lo entender que ele estava no caminho errado.”

O entrevistador vai além e pergunta ao escritor se essa metáfora surgiu nas primeiras edições da equipe.

“Veio no minuto em que pensei nos X-Men e no Professor X. Percebi que tinha essa metáfora, o que foi ótimo. Foi-me dado como um presente. Porque fez as histórias serem mais do que apenas um cara bom lutando contra um cara mau.”

⊗ X-Men no MCU

Com a projeção mundial que a Marvel Studios dá aos seus personagens, é quase uma certeza que a abordagem dos X-Men não vai agradar a todos. É uma missão quase impossível se levarmos em conta a grande quantidade de personagens femininas que sempre roubam os holofotes, carregam o status de mutantes alfa/ômega ou simplesmente possuem uma personalidade afiada como Jean Grey, Emma Frost, Kate Pryde, Tempestade, Psylocke e muitas outras.

O produtor de Eternos, Nate Moore, já chegou a debater sobre como a abordagem do filme lançado em 2021 vai diferir dos X-Men e qual provavelmente será o foco de um filme dos mutantes.


Para mim, nosso objetivo com Eternos não era fazer um filme sobre a diversidade de uma forma que eu acho que X-Men tem que ser. X-Men é uma alegoria super direta a realidade em que essas pessoas são condenadas ao ostracismo e perseguidas pelo que são. E essa é a história que está no DNA dos X-Men. O que eu acho interessante sobre Eternos é que o filme não tem nenhum comentário sobre o tema. Os personagens não falam sobre sua aparência ou como as pessoas o tratam.”

Eternos está mais para uma conversa sobre fé, propósito e o valor da humanidade, mas não necessariamente no contexto da conversa sobre diversidade que temos em nossas vidas nos dias atuais. Eu acho que se, e quando chegarmos a um filme dos X-Men, teremos que falar sobre [diversidade e opressão], porque isso está muito no DNA da equipe tematicamente.“

Como pudemos perceber, a equipe foi concebida como uma forma de militância e não tem como fugir disso no MCU, já que é canônico e é a essência do grupo. Ainda não temos confirmação de uma data para estreia ou sequer a confirmação de um filme dos X-Men pela Marvel Studios, e alguns fãs teorizam que isso só vai acontecer com o encerramento da Saga do Multiverso, que está acontecendo agora.

Até lá, esperamos que a comunidade nerd abandone alguns pensamentos reacionários, mas no pior cenário, seria uma triste ironia ver os X-Men serem odiados dentro e fora das telonas.